sexta-feira, 10 de abril de 2009

o barulho do silêncio


o silêncio
arnaldo antunes
Composição: Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes






antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor


***


Ruínas por você.


o silêncio que angustia
o silêncio que revela
o silêncio vela as angústias de memórias

memórias de um tempo que passou
memórias de tudo aquilo que não voltou
memórias daquilo que não foi mas poderia ser

ser ou não ser?

o silêncio tem seu barulho
o silêncio diz muitas coisas
o silêncio silencia

encarar o silêncio
encarar a si mesmo
encarar a realidade que se constrói

construir algo novo
construir tudo de novo
construir o silêncio e encarar

ser além das ruínas de um passado que já passou

o silêncio de si mesmo
memórias de algo novo
encarar tudo de novo
construir algum barulho

o silêncio grita
as palavras não ditas
as rochas clamam

o caminho em cada passo
as flores por onde ando descalço
e o sol a brilhar

ser além de um futuro que ainda nem começou

o barulho do silêncio, eu sou





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